terça-feira, 26 de outubro de 2010

freak

Um dos primeiros mocinhos que eu conheci no match.com me parecia um achado. A. tinha um perfil legal - idade boa, viajado, americano, trabalhava num banco internacional, escrevia um português certinho - e tinha me escrito sem ver foto! Das duas, uma: ou era completamente louco ou era muito corajoso e qualquer que fosse o caso, certamente garantiria um date minimamente interessante.

Trocamos emails e as esquisitices começaram:

"Now the important stuff... No history of mental illness or alcoholism or drug addiction. I have no children. I have no ex-wives. (not that theres any wrong with being divorced or having children)... I consider myself pretty normal, but thats for others to judge. Agora o material importante... Nenhum history a doença mental ou o alcoholism ou o addiction da droga. Eu não tenho nenhuma criança. Eu não tenho nenhum ex-esposas. (não esse os errada com ser divorciado ou tendo crianças)..."

Agora me diz: quem, em sã consciência, enfatiza que não tem história de doença mental na família no primeiro contato com uma absoluta estranha? E nas duas línguas, só pra me certificar de que eu tinha entendido! Achei tudo um pouco surreal mas, sem dar ouvido à minha intuição, acabamos marcando um encontro.

Marcamos numa terça-feira, num café dentro de uma livraria. Um lugar iluminado, seguro e movimentado. Antes, incumbi "eu aqui" da missão de me ligar às 20h30 para saber se estava tudo bem.

Cheguei às 20h, como combinado. A. folheava um livro que eu não consegui ver qual era e quando me viu entrar, hesitou entre me cumprimentar ou continuar lendo. Me apresentei, cumprimentamo-nos e fomos para o café. E quando o garçom veio com o cardápio eu já tinha sacado que daquele encontro não ia sair nada.

O moço era quieto, evasivo. Respondia minhas perguntas com outras perguntas ou piadinhas sem graça. Tentei mudar para inglês, talvez fosse o idioma. Nada. A conversa continuava truncada. Nos breves momentos de diálogo, ele (1) disse não entender que tanto as pessoas gostavam do parque Ibirapuera, porque ele não via nada demais nele; (2) reclamou porque os brasileiros precisavam se programar para viajar. "Não entendo por que tanta enrolação. Por que as pessoas não podem pegar as malas e ir para o Peru amanhã, por exemplo?"; (3) declarou que nunca viveria num país poluído, mas que São Paulo não era tão poluído assim.

E eu achando tudo aquilo cena de filme cult. Quanto mais eu tentava uma conversa normal, mais bizarra ela ficava. E quanto mais bizarra, mais eu falava, porque é o que acontece quando fico nervosa. Até que num determinado momento, A. me disse: "Calma, relaxa."

Eu parei de falar imediatamente, rezando para que ele fosse falar "Smile, you're on candid camera!". Nada. Ele cruzou os braços e ficou quieto. E eu fiquei olhando para aquela cena, tentando lembrar se já tinha me metido em fria maior do que essa.

Mas o que mais me incomodou foi o olhar. Um olhar de canto de olho, desconfiado. Ele me olhava, eu desviava o olhar, tomava meu lassi e torcia para que "eu aqui" me ligasse logo para eu ter um pretexto para ir embora.

8h45 e nada de ligação. Resolvi esquecer os bons modos e tomar uma atitude drástica: "Eu ainda não conheço essa livraria. Acho que vou dar uma olhada". A. fez algum comentário do tipo "Essa livraria é muito sem graça" e se levantou logo atrás de mim. Eu circulei pela loja como se estivesse sozinha. Ele ainda tentou conversar um pouco, perguntando dicas de restaurantes chineses. Eu dei sugestões de lugares autênticos, frequentados pela comunidade e que primam pelo mau atendimento, luz branca, chão grudento e comida ótima. Diante da minha descrição, ele imediatamente retrucou: "Nunca entraria num lugar desses."

Eu engoli o xingamento que estava na ponta da língua, fingi que ignorei o comentário e continuei folheando os livros, até que ele finalmente notou que se já houve duas pessoas no mundo que não clicaram, essas pessoas éramos nós. "Acho que já vou indo", disse ele.

Eu respirei aliviada, disse "OK, a gente se fala" e esperei mais uns dez minutos na livraria, só por garantia. E liguei xingando para "eu aqui", que tinha ficado presa numa reunião com o chefe.

Isso é para eu aprender a escutar mais minha intuição.


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